terça-feira, 24 de julho de 2007

Relato 30/05 a 03/06/07

Dia 30/05/2007 – quarta-feira - Tomamos o café, pegamos um pouco de feijão já cozido para misturar com arroz que faríamos na estrada. Prosseguimos rumo á Januária, onde pretendemos pegar um barco e descer pelo rio São Francisco, para conhecermos um pouco da sua realidade. Fomos almoçar no STR de Mirabela, onde foi-nos permitido fazer o arroz. Prosseguimos, passamos em Japonvar, onde filmamos um horta comunitária orgânica e falamos com o pessoal, que eram mulheres, homens e crianças... Fomos dormir em Lontra, num posto de gasolina, e Inácio estava pedalando com muita dor de dente.

Dia 31/05/2007 – quinta-feira – Saímos rumo a Januária, Inácio ainda com dor de dente, e o Jorge também queixava-se de dores no estômago. Fizemos um foguinho para fazer chá, perto da entrada de uma fazenda, chegou inclusive um motoqueiro até onde estávamos, não falou nada e foi embora. Chegamos à beira do grande rio, estamos em Pedras de Maria da Cruz, e, é só atravessar a ponte estaremos em Januária. Paramos ali um pouco, conversamos com um pescador antigo, senhor Cipriano, que admite que o rio está morrendo e necessita de ser recuperado, comemos umas bananas e partimos. Atravessamos a ponte e chegamos na cidade de Januária. O caminho é aparentemente bem arborizado, mas quem observa bem, é uma pequena cortina, só existem árvores sombreando as margens da estrada, ademais, é desmatado pelas fazendas de gado na beira do rio. Fomos para o sindicato, onde fomos acolhidos, lá iniciamos um tratamento de desinflamação dos dentes do Inacio, fizemos comida e dormimos em quarto com camas.

Dia 01/06/2007 – sexta-feira - Ivânia tentou ligar para o Sandino, não conseguiu. Ficamos no Sindicato, tinha uma reunião do Banco do Brasil com os presidentes das associações, com a EMATER, com a finalidade de apresentar o número alarmante de inadimplentes do PRONAF B, e com efeito cascata, pressionar as associações, para que essas pressionem os endividados sob ameaças de aplicação de penalidades cabíveis. Neste dia contatamos com trabalhadores de várias regiões e comunidades, muitos nos convidaram para irmos em suas localidades, entre eles estava o Joventino Paixão, que mora na comunidade Fazenda Quilombo, onde a via de acesso é pelo Fabião I, na estrada que vai de Januária para Itacarambi – MG, onde existem cavernas com pinturas rupestres, é uma região a beira de um conflito entre IBAMA, índios Xa-kriabá e antigos posseiros. O IBAMA pretende transformar a região em reserva ecológica com finalidade de incentivar o ecoturismo. A projeção é dividir a imensa área em duas partes, criando um parque nacional e uma APA (área de preservação ambiental), segundo as informações técnicas que obtivemos, conversando com técnicos, sindicato e moradores da região. Ali ficamos sabendo através do Edimar da EMATER/CONAB que próxima a região das cavernas mora uma mulher que é uma antropóloga, que optou morar ali pelo Fabião I com sua família (filhas), que se chama Sueli, mas escolheu ser chamada de Eterna. Inácio foi dormir com argila, resistindo tomar qualquer fármaco.

Dia 02/06/2007 – sábado - Colocamos mais argila no Inácio, Jorge já estava melhor e saímos para a feira de Januária, conversar com os feirantes, que são na maioria das vezes os próprios produtores das tantas coisas que tem na feira. As pessoas com quem conversamos, a maioria eram trabalhadores que plantavam para comer e a sobra traziam para a feira, como: legumes, verduras, mandioca, tapioca... Conversamos com uma família grande, de muitas pessoas que fazem isto há 15 anos. Conversamos com um senhor, Seu Romeu, que vem para a feira com os produtos do Projeto Jaíba. Ele mora e trabalha neste projeto, como um dos beneficiados. Contou-nos que é uma grande enrolada. Que este projeto não é destinado a beneficiar os pequenos, e sim os grandes. A propaganda de melhoria para os pobres, não é mais que fachada, exemplificando uma das injustiças, ele fala que os pequenos (colonos de menor posse de terra) só tiveram direito de fazer empréstimo para investimentos de apenas R$ 3.000,00, por hectare, enquanto que os grandes puderam fazer de R$ 15.000,00. Ele nos convidou para visitar o dito projeto, convite aceito! Vamos conhecer a propalada ‘mega’ estrutura de irrigação na bacia do São Francisco, do município de Jaíba (por isso leva seu nome) no norte de Minas Gerais.

Dia 03/06/2007 – domingo - passamos o dia descansando, fazendo comida, selecionando sementes, e a noite recebemos a visita do senhor Valdomiro (conhecido por Valdó) com a família: dona Teresa e a filha Juliana. Eles vieram ali por força da insistência de Juliana que queria conhecer as pessoas do Ciclovida. Teresa trabalha como cozinheira e zeladora do Sindicato e seu Valdó como vigilante da mesma entidade. Dona Teresa não está podendo trabalhar no momento porque tem que estar tomando conta de Juliana que está com uma perturbação (ao nosso ver) emocional. É uma confusão só, uns dizem que é mental, outros atribuem a questões espirituais... Pelo tanto que conversamos com ela, percebemos uma pessoa normal, jovem, adolescente de 15 anos de idade, e que nos fez um relato bem lúcido, de sua vida, dividindo-a em duas fases. Sua história é marcada por um divisor de águas: há um antes e um depois que a marca profundamente. Ela nos falou o seguinte: que ficou ansiosa para nos conhecer porque ficou encantada quando soube que existia pessoas assim, que pensam parecido com ela...; que também é amante da natureza, e pelo seu gosto estaria fazendo o mesmo que nós; que morava na zona rural e não esquece a boa vida que levava de garota sapeca com suas peripécias. Vivia o contato direto com a natureza: brincando na terra quente, colhendo frutos do roçado, banhos de rio, de córregos, de chuva; gostava do canto dos pássaros, das brincadeiras com a garotada, do caminho distante e tortuoso da escola, por isso mesmo mais emocionante; lembra com saudades dos amigos, das travessuras com a molecada da mesma faixa etária, da tia simples, da simples escolinha, das broncas dos mais velhos, etc. Ela fala dessa fase com muito brilho nos olhos.

Faz porém uma descrição do que significa, para ela, a vida na cidade. Quase transtornada desabafa que não se encontra nesse mundo de mentiras e aparências; de modismo e preconceitos; sem amizades sinceras; que ela sente-se uma extraterrestre, parece que ninguém está interessado no que ela pensa, no que ela fala, no que deseja; que a forma das pessoas se relacionarem não tem nada a ver com a dela; que é com relação a escola que tem mais traumas, pois foi retirada de uma sala de aula, onde estão os alunos considerados bem comportados e colocaram-na numa classe dos ‘maus’ comportados, onde ela não agüenta o barulho, não consegue assimilar bem as matérias. Diz não se empolgar com nada na cidade e nem tem também amigos. Enfim é nessa linhagem que ela fala da sua realidade atual. Os pais dela dizem que ela sente muita dor de cabeça, mas antes ela não era assim quando estava no interior, que a trouxe para estudar. Juliana também fala de um problema que tenta resolver, que acha um desafio quase impossível, que é levar sua mãe para o interior, e diz que acha que lá, vai se normalizar. Ela conta que tem duas mães (A tia que mora na roça e a mãe biológica que mora na cidade), que gosta muito das duas, o pior é que elas moram distantes uma da outra, uma está na roça e a outra está na cidade, ela fala que quer viver com as duas na roça. As medidas que são tomadas com relação a menina, são tratamentos psiquiátricos, que pode não bastar, e até ir contra ao que ela realmente necessita. Foi isto o que falamos para dona Teresa, que disse que vai pensar seriamente no caso, podendo até mesmo deixar o trabalho para salvar a filha. Façamos votos para que isto já tenha acontecido ou venha acontecer a tempo de salvá-la mesmo.

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