terça-feira, 24 de julho de 2007

Relato 20 a 22/06/07

Dia 20/06/2007 – quarta-feira – continuamos na beira do rio esperando um barco de pescador que iria para Passagem há 12 km de Pilão Arcado, que sairia a noite ou dia seguinte dali. Não tinha mais como se adiantar de bicicleta na estrada, Boa Vista é uma espécie de apêndice, para continuar para frente, ou é de barco ou se retorna mais de 40 km para Xique-Xique e vai por Irecer. Então preferimos esperar por barco, enquanto isso, conhecendo um pouco mais daquela comunidade. Boa Vista é um distrito, pertencente ao município de Xique-Xique, é uma comunidade com aproximadamente 800 casas, sua população constitui-se em quase 100% de pescadores, os que não são pescadores são alguns poucos comerciantes, aposentados ou atravessadores do peixe (compra para revenda). Em conversa com os jovens como ante este lugar, eles lembravam que há poucos anos atras não havia energia elétrica. A vila era animada a noite com historias de pescadores do rio ao redor das fogueiras. A criançada de boa Vista anda brinca de cirandas brincamos muito a noite. Fizemos muita amizade com as companheiras que de manhãzinha vinham lavar louças e roupa no rio, mesmo tendo água encanada e pia em casa, elas dizem que não se acostumam, que aprenderam a fazer isto foi no rio. Pela manhã ou a tarde sempre aparecia presentes de peixe para nós, das companheiras. Apesar de ser uma região de muito peixe, o pescador é o sujeito mais sacrificado de Boa Vista, assim como em quase todas as regiões onde predomina esta atividade. Foi aqui convivendo com esta realidade que ficamos mais indignados. Já havíamos iniciado a expressar nossa indignação num supermercado em Itacarambí quando fomos procurar o preço do peixe, em tons propositadamente irônico entramos dizendo: “na terra do peixe tem peixe barato no mercado!” O preço não se diferenciava do convencional, mesmo sendo o peixe mais popular da região, custava no mínimo R$ 6,00 (seis reais), depois vimos de 7 reais assim por diante por diante. É comum para quem observa o rio, em todo o seu percurso, ver os pescadores tomarem conta do cenário: todo dia e o dia todo, é noite e dia no balanço das águas e das redes, esticando e despescando, subindo, descendo e recolhendo. É comum se ver também por muito tempo, muitos não pegarem nada. Perguntamos para alguns pela média diária em quilos de pescado, responderam que é uma atividade familiar, todos da casa se envolvem: é na pesca, no trato, fabricação e/ou conserto das redes, que no geral pegam em media 10kg variando as épocas e equipamentos, a maioria que são pobres vendem imediatamente, para os compradores que já estão à espreita. Os compradores, tem os meios para transportar (barcos ou caminhões). Perguntamos pelo preço que sai daqui o pescado. A resposta nos estarrece. Quando dizem que o super preço é R$ 1,00 (Um real) por quilo de peixe, mas o normal é 80 e 60, já chegando a casos de até 25 centavos, a maioria dos pescadores tem já seus compradores certos e a maioria dos compradores tem seu pescadores certos. Um exemplo que presenciamos, tivemos a impressão de uma relação medieval de amo e servo. Os pescadores que sofrem todos os riscos: tem que investir constantemente em redes de pesca, e essas redes podem ser estragadas de várias formas: as piranhas cortam as redes, roubos, enganchos, acidentes, poluição, concorrência entre outros. Na região há um canal de irrigação, procuramos nos informar do significado da obra monstruosa, na entrada da vila, disseram-nos que era uma estrutura de canalização de água para o projeto de irrigação do baixo Irecer, há em torno de 12 quilômetros de canal feito, mas segundo a população local, a obra está parada há mais 3 anos. Estão pensando em retomar agora. Um comerciante do lugar, disse que era caminhoneiro, abandonou a profissão e comprou uma casa aqui, porque é um lugar muito tranqüilo. Ele disse que só faz horário com passageiros, para a cidade mais próxima, que se as obras daquele projeto recomeçarem vai acabar a paz deste lugar. É que vem gente de todo canto para trabalhar aqui, muitos bebem, bebem muito, enchem a cara e os bares. A prostituição aumenta, porque é muita gente ganhando trocados e gastando; briga, roubos e muitas menininhas grávida, que o saldo final é AIDS, é vovós precoces, com mais gente para dar de comer e muitas vidas frustradas. Fizemos almoço ali perto da água do rio, e a noite fomos conversar com a família da Silvânia. Enquanto conversávamos ficamos sabendo que o barco estava partindo e nós estávamos perdendo o bonde, quer dizer, o barco. Ainda corremos até lá com o companheiro da Silvania, mas não deu mais para alcançar, Vamos esperar para o dia seguinte. Os pais de Silvania nos convidaram para colocar nossas barracas e as bicicletas dentro de casa, e lá dormimos.

Dia 21/06/2007 – Quinta-feira – acordamos mais atento aos barcos, mas enquanto dormíamos perdíamos mais um barco, foi a notícia que deram dia seguinte, mas agora vamos ficar direto na beira do Rio. Se um sair, tem que ficar outro. Acordo feito. Silvania nos convidou para fazermos o almoço em sua casa, “na beira do rio tem ventos fortes e cobre tudo de areia” – realmente! Concordamos. Tudo ocorreu às mil maravilhas, mas enquanto Inácio e Ivânia foram dar um telefonema o pessoal da vila nos procurava para dizer que se não aparecêssemos no cais o mais rápido possível perderíamos outro barco novamente. Encontraram-nos a tempo, pegamos as “bices” e saímos correndo, alcançamos o barco por benevolência do piloto e iniciativa da população. Saímos ás 13 horas, chegamos do outro lado em Passagem às sete e meia da noite, ainda andamos nessa noite 12 km para acabar de chegar em Pilão Arcado. Dormimos num posto de gasolina, um pessoal bem agradável.

Dia 22/06/2007 sexta-feira - manhã cedo pegamos um ônibus para Juazeiro da Bahia. Chegamos meio dia e fomos procurar uma entidade que ouvimos falar dela, desde quando ainda estávamos iniciando a viagem do Ciclovida, era o IRPAA (Instituto Regional de Pesquisa da Agricultura Apropriada) para nós, uma das maiores motivações que tivemos para passarmos por lá é o fato de estar se desenvolvendo estas experiências aqui no semi-árido nordestino. Conseguimos encontrar a sede na cidade de Juazeiro, Fomos bem recebidos por uma das pessoas que atuam no projeto. Pelo fato de estarmos apressados não quisemos visitar com pressa suas experiências, mas ficamos de acordo voltar em qualquer tempo de forma avisada para uma visita, e quem sabe com mais pessoas interessadas. Tudo bem! A noite fomos para a rodoviária, para pegarmos um ônibus para Picos, no Piauí, informaram que só teria, saindo de Petrolina, andamos ainda uns 5 km para a rodoviária de Petrolina, atravessando a ponte do São Francisco mais uma vez. Isto porque tínhamos de apressar a chegada em casa para dia 27 deste mês. Pegamos um ônibus às 11 da noite e descemos em Picos ás 4 da madrugada. Dia 23/06/2007 – sábado - amanheceu, montamos nas bicicletas e saímos no rumo de Tauá, estado do Ceará. Desde quando nos aproximávamos, e depois nos adentrávamos no Nordeste que já sentíamos aquele friozinho na barriga, que era a emoção e a alegria de estar chegando. A vegetação intermediária e as transições climáticas: de acordo com os relevos, modificam-se climas e vegetações, como também os hábitos dos seres: humanos e não humanos que convivem com cada biomas. Sentimos por um lado, próximo a matar as saudades dos filhos, companheiros e amigos. Ao mesmo tempo sentimos outras saudades: a da vida na estrada, das comunidades e das pessoas na estrada da vida, enfim estamos chegando... chegando? Quem nos espera ainda acha longe! Não sabemos definir com palavras, sabemos apenas sentir, mas dá vontade de ficar dizendo muita coisa para tentar explicar. Vamos por aqui sentindo e vocês imaginando... Acreditem, pensamos em cada pessoa que encontramos nesta caminhada, com quem nos relacionamos... Cada dia de pedaladas vamos nos aproximando de uns e nos distanciando de outros. São dois tipos de sensação: saudade e ansiedade. Um companheiro definia quando nos passou um e-mail, dizendo: “Necessidade de chegar e vontade de não apressar, não é?”. Ao meio dia ainda no Piauí, resolvemos pedir um pouco de feijão para complementarmos com arroz que ainda vamos fazer, conseguimos, com uns jovens bastante sensíveis. Fomos para frente e a bicicleta do Inácio furou o pneu, encontramos uma casa de farinha e resolvemos parar por lá para remendar a câmara e fazer o arroz. O companheiro que é dono da casa permitiu que chegássemos por ali, e quanto a comida, ele ofereceu o que ainda tinha lá dentro da cozinha. Misturamos com nosso feijão doado e comemos, ele nos deu 1 kg de farinha. Concertamos o pneu, tiramos algumas fotos, nos despedimos e partimos. À noite conseguimos dormida num posto de gasolina. Era noite de São João, festa para todo lado! Fizemos bastante comida para janta e para o dia seguinte.

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