(Fundação, Massacre e Centenário)
Autor: Manoel Inácio do Nascimento
Trabalhadores amigos
Da cultura e companheiros
Nos CEM ANOS DE CANUDOS
Dou-lhes em versos os roteiros
Convidado todo mundo
Para um mergulho profundo
Pelos sertões conselheiros.
Num ato de obediência
A inspiração que me vem
Desobedeço ao cansaço
E fascinado também
Pela pesquisa importante
De Raimundo Cavalcante
Eu embarquei nesse trem.
Sobre Marx disse Lênin
Num de seus brilhantes livros:
Que a burguesia odeia
Os heróis do povo vivos
Depois que elimina os tais
Os fazem heróis nacionais
Ou mitos inofensivos.
Antônio Vicente Mendes
Maciel o Conselheiro
Filho em Quixeramobim
De pequeno fazendeiro
Lutou contra os poderosos
Tornou-se um dos mais famosos
Por este Brasil inteiro
Foi em mil e oitocentos
E trinta que ele nasceu
Sendo Quixeramobim
Que primeiro conheceu
Esse presente divino
No formato de menino
Que o sertão recebeu.
Junto aos pais, enfrenta secas
Na dura sobrevivência
De criação e plantio
Tiravam a subsistência
Sensível ao penar do povo
Conselheiro ainda novo
Adquiriu sapiência.
De aguçada inteligência
Talvez um superdotado
Com cinco anos apenas
Já era capacitado
Sobre temas do momento
Travava conhecimento
Com Doutor e Magistrado.
Sobre a política da época
Antônio Conselheiro opina
Até escravidão de paz
Foi trabalho de rotina
Com José Antônio Pereira
Doutor que deixa à carreira
Pra ser padre, O IBIAPINA.
Conviveu com Ibiapina
Tendo então sua influência
Como escrivão do Juiz
Deparou com violência
Pelos grandes, cometida
Preocupa-se com medida
À ser tomada de urgência
Porém os seus afazeres
Lá pelo Judiciário
Aproxima-o aos massacrados
Pelos latifundiários
Nessa base Antônio Vicente
Prepara tão combatente
Seu valente itinerário.
Pelo século dezenove
Em toda a nação reflete
À fama do Conselheiro
Que pelos sertões se mete
E nas caatingas se embrenha
Durante a seca ferrenha
Do ano setenta e sete.
Ceará e Paraíba
Percorre fazendo plano
Já denunciando a seca
Contra o sistema tirano
Sonhando a tão libertária
A CIDADE IQUALITÁRIA
Partiu pros sertões baianos.
No ano mil e oitocentos
E oitenta e nove ele agita
Junto às massas camponesas
Contra a “nova” ordem grita
Prega pra todo o Brasil
Desobediência civil
Contra a República maldita.
Ao casamento civil
Novos pesos e medidas
Com o povo protesta àquelas
Ordens estabelecidas
Em Bom Conselho – Bahia
Muita gente lhe seguia
Buscando novas saídas.
Com o povo promove a queima
Da tabua do Edital
Cobrando novos impostos
Que era Lei Municipal
Preso por ser insurgente
Continua a insuflar gente
Contra o Governo Central
Perambulava nas ruas
Nas feiras livres e praças
Não ligava pra prisão
E nem temia ameaças
Arregaçava os sertões
Temido pelos patrões
Acompanhado das massas.
Revira os sertões baianos
Buscando o sonho feliz
À CIDADE IGUALITÁRIA
Lugar que pro povo quis.
Depois de muitas paragens
Agrada-se então das margens
Do rio Vaza Barris.
As margens daquele rio
Tinha uma velha fazenda
Já sem dono abandonada
Quem Sade alguma contentada
Antes de Antônio e seu povo
Que sonhando um mundo novo
Armavam ali sua tenda.
Foi em mil e oitocentos
Do ano noventa e três
Este ano, um CENTENÁRIO
Completa a primeira vez.
Um dos exemplos mais vivos
De trabalhos coletivos
Que no Brasil já se fez.
Bom Jesus do Belo Monte
Registra assim sem papéis
Pra fundar o Arraial
Todo mundo mete os pés
Ex-escravos proletários
E pequenos proprietários
Expulsos por coronéis.
Arraial do Bom Jesus
Do Belo Monte chamado
Nome que Antônio Conselheiro
Ao Arraial tinha dado.
Com trinta mil habitantes
Um dos maiores montantes
No nordeste aglomerado.
De base coletivista
Era sua economia
De rebanhos pastoris
E agricultura vivia
Peles na época era “ouro”
Na exportação desse couro
Era o maior da Bahia.
No livro “Guerra dos Bárbaros”
Onde a antropóloga Idalina
Trata a resistência indígena
Na região nordestina
Num apanhado de ouro
Descreve o ciclo do ouro
No Brasil como uma “mina”
“De couro eram as portas
Da cabana de peão
Era a cama de dormir
Aplicada ao duro chão
Cama pra mulher ter filho
E corda para amarrilho
Borracha pra aguação.
Alforje pra levar comida
Bornal pra milhar cavalo
Faz-se couro a pêa
Pra prender ou peá-lo
Mala pra roupas, bruacas
Faz-se bainha de facas
Faz-se surrão para embalo.
Roupas pra entrar no mato
Bangüês pra curtir com sal
Para aterro de alicerce
De açude, e material
Levado à força de touro
Pisava-se fumo em couro
Pra por na via nasal...”
Sendo coletivizada
Toda a sua produção
Aonde cada família
Recebia o seu quinhão
Ninguém nem ouvia o nome
Da tão conhecida fome
Que hoje devasta o sertão
Foram açudes construídos
No rio Vaza Barris
Para fins de irrigações
E criações pastoris
Sem haver propriedade
Vivia a comunidade
Bela nutrida e feliz.
Lá não havia ladrões
E muita menos cadeia
Não precisava policia
Por não haver coisa alheia.
Se houvesse alguma desordem
Seguia-se a própria ordem
Judicial da aldeia.
Nos artesãos de CANUDOS
Não faltava habilidade
Consertavam e fabricavam
Ferramentas à vontade.
Dispunha de mestres bons
Fazendo armas munições
Pra enfrentar a rivalidade.
Da espiritualidade
Antônio Conselheiro é guia
As responsabilidades
Passa ao povo em que confia
Já havia homens de sobra
Que continuassem a obra
Com esforço e valentia.
Entre os lideres camponeses
De CANUDOS João Abade
Tem um papel de destaque
Grande personalidade.
Um comandante de rua
Que junto com o povo atua
Com responsabilidade
Mostrou sua autoridade
Quando o bispo D. Luis
Pra tentar a rendição
Daquele povo feliz
Mandou lá missionário
E como achou necessário
Agiu como o povo quis.
Pajeú estrategista
Capacidade suprema
Comanda operações bélicas
E o valente Chico Ema
Tinha o comando de espia
Perto do inimigo agia
Para furar seu esquema.
Chiquinho e João da Mota
Irmãos aos quais era entregue
O comando dos piquetes.
Que na beira - estrada segue
De Cocorobó à Uauá
Onde quer que o exército vá
Este comando o persegue.
Tem Pedrão e Vila Nova
São dois “sossega-leão”
Velho Macambira e o filho
Joaquim Macambira, são
Um par de guerreiro esperto
Que se juntando ao Noberto
São pior que furação.
São também Lalau e Estevão
Pros inimigos cruéis
José Venâncio atirando
Contra os homens dos quartéis
Eram fábricas de defuntos
Principalmente eles juntos
Com o Joaquim Tranca-pés.
Os Missionários a mando
Do Arcebispo da Bahia
A serviço do estado
De fanatismo e heresia
Acusavam a cidadela
Mas a população dela
Reagiu com energia.
Os argumentos usados
Pela igreja de então
Diziam que o Conselheiro
Infringia a Religião
Que os ensinamentos seus
Ferem os preceitos de Deus
Mas o povo disse: NÃO.
Daquele povo valente
Os padres recebem não
Dizia o poro: se Deus
Quer nos dar a salvação
Com a volta do cativeiro
Preferimos Conselheiros
A aceitar a religião.
Desde a visita sem êxito
Da igreja àquele local
Que a mesma igual a Pilatos
Lava as mãos com o Arraial
Deixando livre o Estado
Que já havia decretado
O seu juízo final.
Mil oitocentos e noventa e sete
É Prudente de Morais
Presidente da República
Juntamente aos Generais
Apoiado nos patrões
Manda quatro expedições
Das forças oficiais.
A primeira expedição
Em Uauá sofre a derrota
Cem soldados foram mortos
E se existisse Zé Frota
Para botar os doentes
Seria como as enchentes
Do rio quando esbarrota
O Governo então mandou
A segunda expedição
Que diante de CANUDOS
Sofre outra.decepção
Uns trezentos debandaram
E uns duzentos ficaram
Sem vida rolando ao chão.
No ano mil e oitocentos,
Noventa e sete a terceira
Expedição do Governo
Novamente se rendera
Sentindo-se impotente
Pra enfrentar aquela gente
Da CANUDOS guerrilheira.
Vendo-se então derrotadas
Suas três expedições
Prepara o estado a quarta
Com muito mais munições
Com o apoio das elites
Muniu-se com dinamites
Muitas armas e canhões
São de cinco mil soldados
Composta esta expedição
General Artur Oscar
Comanda a operação
Pra ver que efeito surte
O Ministro Bittencurt
Deslocou-se pro sertão.
Só os povos de CANUDOS
Sabiamente compreendiam
Com quanto esforço lutavam
Muitos de fora assistiam
Confusos indiferentes
Esperavam displicentes
Se os milagres repetiam.
Está CANUDOS sabendo
Que é chegada a sua vez
De longe o exército dispara
Com tamanha estupidez
Dinamites e canhões
Contra espingardas, facões...
Do reduto camponês.
Poucos dias pra CANUDOS
Ser para o “céu” elevada
Antõnio Conselheiro atende
De Deus a última chamada
Foi preparar pro seu povo
Do céu um cantinho novo
Pra aquela sertanejada.
Dia cinco de outubro
Do ano noventa e sete
Do século próximo passado
O fogo tudo derrete
O povo caiu sem vida
CANUDOS foi destruída
Milagre não se repete
Para os atemorizados
Por canudos as festanças
Restam alguns prisioneiros
Velhos, mulheres, crianças...
Que levam em suas memórias
Bons e maus tempos da história
Para sempre como heranças.
Pra Capital Salvador
Levaram os prisioneiros
Expostos aos curiosos
Depois pro Rio de Janeiro
São levados de navio
E das favelas do Rio
Dizem que foram os primeiros.
Subiu à Cidade Santa
Para os céus junto à fumaça
Céus que o imperialismo
Quer transformar em carcaça
Mas para o povo que luta
CANUDOS vira uma gruta
De inspiração e de Graça.
Foi assim nossa CANUDOS
Varrida a golpes funéreos
Digna de ser estudada
Seus fenômenos seus mistérios
Sem revanchismo ou retórica
Mas como verdade histórica
Do tempo dos Falanstérios.
Na Europa os Falanstérios
Prática da Filosofia
Do socialismo utópico
Que em Inglaterra e França havia
Chamada de pré-marxismo
Que deu base ao socialismo
Que Karl Marx fundaria.
O SOCIALISMO utópico
Não teve bom resultado
Faltou base cientifica
Para ser fundamentado
Derrubando esta utopia
Karl Marx & Engels cria
Um estudo aprofundado.
A burguesia destrói
As CANUDOS de hoje em dia
Pois toda a América Latina
Levanta-se em Rebeldia
Contra o Imperialismo
Buscando o Socialismo
Que CANUDOS conhecia.
É CANUDOS, CALDEIRÃO
É CONTESTADO, é PALMARES
Experiências vividas
Garantindo seus lugares
(sendo ou não Messianismo)
Na história do Socialismo
Já em altos Palmares.
Da nossa luta no mundo
Estas são fortes escudos
A crise no Movimento
Tem seus momentos agudos
Já estamos confirmados
Que fomos ultrapassados
Um século atrás por CANUDOS.
Com a história de CANUDOS
Fidel Castro se fascina
Sobre esta experiência
Na região Nordestina
Falou com empolgação
“Primeira livre nação
De toda a América Latina”
“A epopéia de CANUDOS
Ficará em nossa história
È patrimônio das massas
Camponesas e uma glória
Que alcançou o movimento
Revolucionário” a contento
Fez Rui Facó a memória.
Zé de Oliveira Falcon
Cantou sábio qual Guru:
“CANUDOS! Pra te cantar
Só Noberto ou Pajeú...
Vencida não te rendeste
Sob o massacre – te ergueste
Sobre a surucucu”!
fim
Escrito em março de 1993
Correções feitas pelo autor em março de 1995
Republicada com as correções em março de 1997
Um comentário:
isto q vc postou é uma coisa muito interessante...
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